sábado, janeiro 23, 2010

Migalhas



" não digas nada, dá-me só a mão. palavra de honra que não é preciso dizer nada, a mão chega. parece-te estranho que a mão chegue, não é? mas chega. quantos são hoje? nunca sei às que ando, confundo tudo, perco-me sempre, os dias, as horas, às vezes cumprimento pessoas que não conheço (...)

quantos são hoje? não digas nada. tanto faz. um dia qualquer, não me ralo com isso : a minha vida feita de dias quaisquer a amontoarem-se uns sobre os outros, indistintos, moles, idênticos (...). não te vás embora ainda, deixa-te estar. apesar de tudo passámos um bocado agradável não foi? a mim agradou-me. gosto do teu cheiro. se te apetecer voltar toca a campainha três vezes e carrego naquele botão que abre a porta da rua. e se me avisares com antecedência compro um bolo. quando não estiveres cá e me sentir sozinho com as migalhas que sobrarem.
vou contar-te um segredo : há alturas em que as migalhas ajudam. "
*António Lobo Antunes

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