quinta-feira, março 18, 2010

O medo do medo do medo

É tão delicioso, tão gostoso...só mesmo do Chico Buarque*

*CHAPEUZINHO AMARELO

Era a Chapéuzinho Amarelo.
Amarelada de medo
Tinha medo de tudo,
Aquela Chapéuzinho.
Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada
nem descia.
Não estava resfriada mas tossia.
Ouvia conto de fada
e estremecia.
Não brincava mais de nada,
nem de amarelinha.

Tinha medo do trovão.
Minhoca, para ela, era cobra.
E nunca apanhava sol
porque tinha medo da sombra.
Não ía pra fora para não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não se engasgar.
Não ficava de pé com medo de cair.
Então vivia parada,
deitada, mas sem dormir,
com medo de pesadelo.
ERA A CHAPEUZINHO AMARELO
E de todos os medos que tinha
o medo mais que medonho
era o medo do tal do LOBO
Um lobo que nunca se via,
que morava lá pra longe,
do outro lado da montanha,
num buraco da Alemanha,
cheio de teia de aranha,
que vai ver que o tal do LOBO
nem existia.

Mesmo assim a Chapéuzinho
tinha cada vez mais medo
do medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.

E Chapéuzinho Amarelo,
de tanto pensar no LOBO,
de tanto sonhar com o LOBO,
de tanto esperar o LOBO,
um dia topou com ele
que era assim:
carão de LOBO,
olhão de LOBO,
jeitão de LOBO
e principalmente um bocão
tão grande que era capaz
de comer duas avós, um caçador,
rei, princesa,
sete panelas de arroz
e um chapéu
de sobremesa.

Mas o engraçado é que,
assim que o encontrou o LOBO,
a Chapéuzinho Amarelo
foi perdendo aquele medo,
o medo do medo do medo
de um dia encontrar um LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo
e ela ficou só com o lobo.
O lobo ficou chateado
de ver aquela menina
olhando para a cara dele,
só que sem o medo dele.
Ficou mesmo envergonhado,
triste, murcho e branco-azedo,
porque um lobo, tirando o medo,
é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pêlo.
Lobo pelado.

O lobo ficou chateado.

E ele gritou: sou um LOBO!
Mas a chapéuzinho, nada.
E ele gritou: sou um LOBO!!!!
Chapéuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!
Chapéuzinho, já meio enjoada,
com vontade de brincar
de outra coisa.
Ele não gritou bem forte
aquele seu nome de LOBO
umas vinte e cinco vezes,
que era pró medo ir voltando
e a menininha saber
com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO

Aí,
Chapéuzinho encheu e disse:
“Pára assim! Agora! Já!
Do jeito que você tá!”
E o lobo parado assim
do jeito que o lobo estava
já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO
Um bolo fofo,
tremendo que nem pudim,
com medo da Chapéuzinho.
Com medo de ser comido
com vela e tudo, inteirinho.

Chapéuzinho não comeu
aquele bolo de lobo,
porque sempre preferiu
de chocolate.
Aliás, ela agora come de tudo,
menos sola de sapato.
Não tem medo mais de chuva
nem foge de carrapato.
Caí, levanta, se machuca,
vai à praia, entra no mato
trepa em árvore, rouba fruta,
depois joga amarelinha,
com o primo da vizinha,
com a filha do jornaleiro,
com a sobrinha da madrinha
e o neto do sapateiro

Mesmo quando
está sozinha,
inventa
uma brincadeira.
E transforma em companheiro
cada medo que ela tinha:
o raio virou orrái,
barata é tabará,
a bruxa é xabru
e o diabo bodiá.

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